William Barclay diz que só compreenderemos a beleza desta passagem
quando observamos quando esse fato aconteceu. Jesus estava indo para Jerusalém.
Ele marchava para a cruz. Foi nessa caminhada dramática, dolorosa, que ele
encontrou tempo em sua agenda e espaço em seu coração para acolher as crianças,
orar por elas e abençoá-las.
Marcos 10.1-31 apresenta uma seqüência lógica: casamento (10.1-12),
crianças (10.13-16) e propriedades (10.17-31). Jesus, apesar de caluniado e
perseguido pelos escribas e fariseus, era considerado pelo povo como profeta
(Lc 24.19). Daí a confiança do povo em trazer-lhe suas crianças para que por elas
orasse e as abençoasse. O simples fato de Jesus tomar as crianças em seus braços
revela a personalidade doce do Senhor Jesus.
Há três grupos que merecem destaque aqui:
1. Os que trazem as crianças a Jesus – (10.13)
As crianças não vieram; elas foram trazidas. Algumas delas eram crianças
de colo, outras vieram andando, mas todas foram trazidas. Devemos ser
facilitadores e não obstáculo para as crianças virem a Cristo.
Os pais ou mesmo parentes reconheceram a necessidade de trazer as
crianças a Cristo. Eles não as consideram insignificantes nem acharam que elas
pudessem ficar longe de Cristo. Esses pais olharam para seus filhos como bênção
e não como fardo, como herança de Deus e não como um problema (Sl 127.3).
Aqueles que trazem as crianças a Cristo reconhecem que elas precisam de Jesus.
Era costume naquela época, os pais trazerem seus filhos aos rabis para que eles
orassem por eles.
As crianças podem e devem ser trazidas a Cristo. Na cultura grega e
judaica as crianças não recebiam o valor devido, mas no Reino de Deus elas não
apenas são acolhidas, mas também são tratadas como modelo para os demais que
querem entrar.
Adolf Pohl corretamente interpreta o ensino de Jesus, quando afirma:
Não deixe as crianças esperar; não hesite em traze-las ara as mãos de
Jesus, não conte com “mais tarde”: mais tarde, quando você for maior, quando
entender mais a Bíblia, quando for batizado, etc. As crianças podem ser
trazidas com muita confiança no poder salvador de Jesus. O reinado de Deus
rompe a barreira da idade assim como a barreira sexual (o evangelho para
mulheres), da profissão (para cobradores de impostos), do corpo (para doentes),
da vontade pessoal (para endemoninhado) e da nacionalidade (para gentios).
Portanto, também as crianças podem ser trazidas dos seus cantos para que Jesus
as abençoe.
2. Os que impedem as crianças de virem a Cristo – (10.13)
Os discípulos de Cristo mais uma vez demonstram dureza de coração e
falta de visão. Em vez de serem facilitadores, tornaram-se obstáculos para as
crianças virem a Cristo. Eles não achavam que as crianças fossem importantes,
mesmo depois de Jesus ter ensinado claramente sobre isso (9.36,37)
Os discípulos não compreenderam a missão de Jesus, a missão deles e nem
a natureza do Reino de Deus.
Os discípulos repreendiam aqueles que traziam as crianças por acharem
que Jesus não devia ser incomodado por questões irrelevantes. O verbo grego
usado pelos discípulos indica que eles continuaram repreendendo enquanto as
pessoas traziam seus filhos. Eles agiam com preconceito. Podemos impedir as
pessoas de trazerem as crianças a Cristo por comodismo, por negligência, ou por
uma falsa compreensão espiritual.
3. Os que abençoam as crianças – (10.16)
Jesus demonstra amor, cuidado e atenção especial com todos aqueles que
eram marginalizados na sociedade. Ele dava valor aos leprosos, aos enfermos,
aos publicanos, às prostitutas, aos gentios e agora, às crianças.
O texto em tela tem três grandes lições, segundo James Hastings: um
encorajamento, uma reprovação e uma revelação.
I. UM ENCORAJAMENTO – (10.14)
O encorajamento era para os pais das crianças e para as próprias
crianças, embora a palavra tenha sido dirigida aos discípulos: “Deixar vir a
mim os pequeninos, não os embaraceis, porque dos tais é o reino de Deus”
(10.14). Jesus manda abrir o caminho de acesso a ele para que as crianças
possam vir. Algumas verdades são enfatizadas aqui:
1. A afeição de Jesus às crianças – (10.14)
Não é a primeira vez que Jesus demonstra amor às crianças. Ele diz que
quem recebe uma criança em seu nome é o mesmo que receber a ele próprio
(9.36,37). Jesus afirma, por outro lado, que fazer uma criança tropeçar é uma
atitude gravíssima (9.42). Agora, Jesus acolhe as crianças, toma-as em seus
braços, ora por elas, impõe as mãos sobre elas e as abençoa (10.16).
2. O convite de Jesus para os pais trazerem os filhos – (10.14)
Jesus encoraja os pais ou qualquer outra pessoa a trazer as crianças a
ele. As crianças podem crer em Cristo e são exemplo para aqueles que crêem.
Levar as crianças a Cristo é a coisa mais importante que podemos fazer por
elas.
John Charles Ryle diz que devemos aprender com esta passagem a grande
atenção que as crianças devem receber da Igreja de Cristo. Nenhuma igreja pode
ser considerada saudável se não acolhe bem as crianças. Jesus, o cabeça da
igreja, encontrou tempo para dedicar-se às crianças. Ele demonstrou ser o
cuidado com as crianças um ministério de grande valor.
3. O convite de Jesus para as crianças virem a ele – (10.14)
As crianças de colo precisam ser trazidas a Cristo, mas outras podiam
vir por si mesmas. Elas não deveriam ser vistas como impossibilitadas nem
impedidas de virem a Cristo. Na religião judaica somente depois dos treze anos
uma criança podia iniciar-se no estudo da Lei. Mas, Jesus revela que as
crianças devem vir a ele para receberem seu amor e sua graça.
II. UMA REPROVAÇÃO – (10.14)
1. A indignação de Jesus – (10.14)
Jesus se indignou quando viu que os discípulos afastaram as pessoas em
vez de introduzi-las a ele. A palavra grega aganakteo sugere uma forte emoção.
Este é o único lugar nos evangelhos onde Jesus dirige sua indignação aos
discípulos, exatamente quando eles demonstram preconceito com as crianças.
Jesus fica indignado quando a igreja fecha a porta em vez de abri-la. Jesus
fica indignado quando identifica o pecado do preconceito na igreja.
Jesus já ficara indignado com seus inimigos, mas agora fica indignado
com os discípulos. É a única vez que o desgosto de Jesus se direciona aos
próprios discípulos, quando se tornam estorvo em vez de bênção, quando eles
levantam muros em vez de construir pontes.
A indignação de Jesus aconteceu concomitantemente com o seu amor. A
razão pela qual ele se indignou com os seus discípulos foi o seu amor profundo
e compassivo para com os pequeninos, e todos os que os trouxeram. Ao choque
para os pais, no entanto, segue um choque para os discípulos. Uma ordem dupla
reverte as medidas deles: Deixai vir a mim os pequeninos, não os embaraceis.
2. Por que Jesus reprovou os discípulos tão severamente?
Em primeiro lugar, porque a conduta deles foi errada com aqueles que
traziam as crianças. Os pais daquelas crianças as trouxeram a Jesus porque
criam que ele era profeta, que ele poderia orar por elas e abençoá-las. Elas
estavam vindo à pessoa certa com a motivação certa e mesmo assim foram barradas
pelos discípulos.
Em segundo lugar, porque a conduta deles foi errada com as próprias
crianças. Jesus já havia falado que as crianças tinham a capacidade de crer
nele e que é um grave pecado servir de tropeço às crianças (9.42). Os
discípulos estavam imitando os fariseus que se colocavam no meio do caminho
impedindo as pessoas de entrarem no Reino.
Em terceiro lugar, porque a conduta deles foi errada com o próprio
Jesus. A atitude deles fazia as pessoas concluírem que Jesus era uma pessoa
preconceituosa e sofisticada como as autoridades religiosas de Israel. Jesus,
entretanto, já havia dado fartas provas de sua compaixão com os necessitados e
excluídos.
Em quarto lugar, porque a conduta deles foi contrária ao ensino de
Cristo. O ensino de Jesus é claro: “Em verdade vos digo: Quem não receber o reino
de Deus como uma criança de maneira nenhuma entrará nele” (10.15). Jesus está
demonstrando que não há nenhuma virtude em nós que nos recomende ao reino. Se
quisermos entrar no reino precisamos despojar-nos de toda pretensão como uma
criança. Obviamente, Jesus não está dizendo que seus discípulos devem imitar
“qualidades infantis”, mas devem receber o reino de Deus do mesmo modo como uma
igreja recebe alguma coisa. Naquela cultura as crianças eram consideradas
insignificantes e indignas de atenção; não podiam reivindicar coisa alguma.
Podiam somente receber o que lhes era oferecido pelos adultos responsáveis. Da
mesma maneira, uma pessoa deve confiar em Deus e receber dele o reino como um
dom de sua graça.
Em quinto lugar, porque a conduta deles foi contrária à prática de
Cristo. Jesus nunca escorraçou as pessoas. Ele jamais mandou embora aquele que
vem a ele (Jo 6.37). Ele convida a todos (Mt 11.28). Jesus tomou as crianças em
seus braços, impôs sobre elas as mãos, as abençoou (10.16) e orou por elas (Mt
19.13). Jesus recebia pecadores e comia com eles.
3. Por que os discípulos impediram as pessoas de trazerem as crianças a
Jesus?
Em primeiro lugar, por causa da preocupação deles com o próprio Jesus.
Os discípulos demonstraram zelo sem entendimento. Eles queriam blindar Jesus,
protegendo-o de desgastes desnecessários, especialmente naquela hora de grande
tensão, quando Jesus estava indo para Jerusalém para ser preso. Porém, Jesus
revela seu grande apreço às crianças e pára sua jornada para abençoar as crianças
e repreender os discípulos.
Em segundo lugar, por causa da dúvida deles acerca da capacidade das
crianças de entenderem Jesus. Os discípulos devem ter julgado as crianças
incapazes de discernir as coisas espirituais e assim procuraram mantê-las longe
de Jesus. Nem os filósofos gregos nem os rabinos judaicos concediam grande
importância às crianças. Na época de Jesus dar atenção a uma criança “era uma
perniciosa perda de tempo, como beber muito vinho ou associar-se com os
ignorantes”. Somente com treze anos um menino podia tomar sobre si a responsabilidade
de cumprir a Lei. Falamos para as crianças comportarem-se como os adultos, mas
Jesus ensinou que os adultos devem imitar as crianças.
Em terceiro lugar, por causa do esquecimento deles com respeito ao valor
das crianças. Os discípulos devem ter pensado que as crianças estavam aquém da
possibilidade de serem salvas. Mas as crianças fazem parte da família de Deus.
Elas estão incluídas no pacto que Deus fez conosco. Os nossos filhos são santos
(1Co 7.14). Eles não devem ser impedidos de vir a Cristo. Receber uma criança
em nome de Jesus é receber a Jesus. A criança não apenas deve vir a Cristo, mas
constitui-se em modelo para os que creem. Quando uma criança é salva, ela pode
dedicar toda sua vida a Cristo.
4. Como as crianças podem ser impedidas de virem a Jesus?
Em primeiro lugar, quando deixamos de ensiná-las a Palavra de Deus.
Timóteo aprendeu as sagradas letras que o tornaram sábio para a salvação desde
sua infância (2Tm 3.15). A Bíblia diz: “Ensina a criança no caminho em que deve
andar, e, ainda quando for velho, não se desviará dele” (Pv 22.6). Os pais
devem ensinar os filhos de forma dinâmica e variada (Dt 6.1-9).
Em segundo lugar, quando deixamos de dar exemplo a elas. Escandalizar
uma criança e servir de tropeço para ela é um pecado de conseqüências graves
(9.42). Ensinamos as crianças não só com palavras, mas, sobretudo, com exemplo.
Influenciamos as crianças sempre, seja para o bem ou para o mal.
Em terceiro lugar, quando julgamos que as crianças não merecem a nossa
maior atenção. Os discípulos julgaram que aquela não era causa tão importante
ao ponto de ocupar um lugar na agenda de Jesus. Eles na intenção de poupar
Jesus e administrar sua agenda, revelaram seu preconceito com as crianças e sua
escala de valores desprovida de discernimento espiritual.
III. UMA REVELAÇÃO – (10.14)
Jesus é enfático, quando afirma: “… porque dos tais é o reino de Deus”
(10.14). Isso tem a ver com a natureza do reino de Deus. O que Jesus não quis
dizer com essa expressão?
Em primeiro lugar, que as crianças são criaturas inocentes. O pecado
original atingiu toda a raça. Somos concebidos em pecado e nos desviamos desde
a concepção. A inclinação do nosso coração é para o mal e as crianças não são
salvas por serem crianças inocentes. Elas, também, precisam nascer de novo e
crer no Senhor Jesus. Adolf Pohl diz que no Novo Testamento as crianças não são
anjinhos. Elas são briguentas (1Co 3.1-3), imaturas (1Co 3.11; Hb 5.13), fáceis
de seduzir (6.4), imprudentes (1Co 14.20), volúveis (Ef 4.14), dependentes ((Gl
4.1,2).[19]
Em segundo lugar, que as crianças não estão salvas pelo simplesmente
fato de serem crianças. A salvação não tem a ver com faixa etária. Nenhuma
pessoa é salva por ser criança ou velha, mas por crer em Jesus. Quando uma
criança morre antes da idade a razão, ela vai para o céu não por ser criança,
mas porque o Espírito Santo aplica nela a obra da redenção. Nenhuma criança
entra no céu pelos seus próprios méritos, mas pelos méritos de Cristo.
Vejamos agora, o que Jesus quis dizer, quando disse que às crianças
pertence o reino de Deus:
Em primeiro lugar, as crianças vêm a Cristo com total confiança. Elas creem e confiam. Elas se entregam e descansam. Devemos despojar-nos da nossa
pretensa capacidade e sofisticação e retornarmo-nos para a simplicidade dos
infantes, confiando em Jesus com uma fé simples e sincera. Jesus está dizendo
que o reino de Deus não pertence aos que dele se acham “dignos”, ao contrário,
é um presente aos que são “tais” como crianças, isto é, insignificantes e
dependentes. Não porque merecem recebê-lo, mas porque Deus deseja conceder-lhes
(Lc 12.32). Os que reivindicam seus méritos não entrarão nele, pois Deus dá o
seu reino àqueles que dele nada podem reivindicar.
Em segundo lugar, as crianças vivem na total dependência. Assim como as
crianças descansam na provisão que os pais lhe oferecem, devemos também
descansar na obra de Cristo, na providência do Pai e no poder do Espírito.
IV. UMA ATITUDE – (10.16)
Jesus não apenas acolhe as crianças e repreende os discípulos, mas faz
três coisas importantes:
Em primeiro lugar, ele toma as crianças em seus braços. Com isso Jesus
revela seu carinho, aceitação, valorização, proteção e cuidado com as crianças.
Em segundo lugar, ele impõe as mãos sobre as crianças. Os pais trouxeram
as crianças para que Jesus as tocasse (Lc 18.15) e orasse por elas (Mt 19.13).
Jesus em vez de concordar com os discípulos, mandando-as embora, chamou-as para
junto de si (Lc 18.16) e impôs sobre elas as mãos. Jesus invocou as bênçãos
espirituais sobre aquelas crianças. Jesus toma a primeira criança em seus
braços e coloca a sua mão na cabeça do infante. Então, com ternura ele a
abençoa por meio de uma oração valiosa ao Pai, para que seu favor seja derramado
sobre ela. Ao terminar sua oração, ele devolve a criança para a pessoa que a
havia trazido, pega a criança seguinte, e assim sucessivamente, até ter
abençoado todas elas.
Em terceiro lugar, ele as abençoou. O verbo grego kateuloei revela uma
grande força de intensidade, evidenciando que sua bênção foi fervente. O verbo
também está no tempo imperfeito, demonstrando que Jesus continuou abençoando as
crianças. Jesus via as crianças como filhos da promessa, como herança de Deus,
como alvos do seu amor e como exemplo para todos os que desejam entrar no seu
reino.
CONCLUSÃO
Jesus indignou-se com a atitude preconceituosa dos discípulos, acolheu
as crianças e disse que elas são modelos para os adultos (10.15). A
receptividade das crianças está em contraste com a dureza dos líderes
religiosos, que tinham conhecimento, mas não fé genuína. Sobre as nove
declarações com “amém” (em verdade vos digo) em Marcos, esta aqui está em tom
de ameaça. Só entra no reino quem se fizer como uma criança.
As crianças são modelos em sua humilde dependência de outros,
receptividade e aceitação de sua condição. Nós entramos no reino de Deus pela
fé, como crianças: inaptos para salvar-nos, totalmente dependentes da graça de
Deus. Nós desfrutamos do reino de Deus pela fé, crendo que o Pai nos ama e irá
atender nossas necessidades diárias. Quando uma criança é ferida, o que ela
faz? Corre para os braços do pai ou da mãe. Esse é um exemplo para o nosso
relacionamento com o Pai Celestial. Sim, Deus espera que sejamos como crianças
e não infantis.[25]
Receber o reino de Deus como uma pequena criança significa aceitá-lo com
simplicidade e confiança genuína, bem como humildade despretensiosa.[26] O
reino de Deus é o domínio de Deus no coração e na vida do ser humano juntamente
com todas as bênçãos que resultam desse domínio. Entrar no reino é ser salvo, é
ter a vida eterna.
Nós estamos ajudando ou atrapalhando as crianças de virem a Cristo?
Estamos recebendo o reino de Deus com a confiança sincera de uma criança?